ASSISTÊNCIA E REABILITAÇÃO PENITENCIÁRIA, ABORDADA PELO SEU DIRECTOR NACIONAL EM ENTREVISTA AO JORNAL DE ANGOLA

2025-06-06 | última atualização, Angola

Direcção Nacional de Assistência e Reabilitação Penitenciária pretende formar até 2.500 presos, anualmente, nos cursos de Serralharia, Electricidade, Agronomia, Construção Civil, Canalização, Informática, Mecânica-auto, Carpintaria, Corte e Costura, nos 43 Estabelecimentos Penitenciários existentes no país, afirmou em entrevista ao Jornal de Angola o seu director. Manuel Cunha revelou, também, que 75 pessoas entram e 55 saem, diariamente, das cadeias do país, uma realidade que incide na sobrelotação e dificulta a realização de programas de reabilitação.

André da Costa Jornalista
segunda-feira, 02 de junho de 2025

Senhor director, nas condições actuais, o que envolve reabilitar e reintegrar um recluso?
A reabilitação de um recluso requer desenvolvimento de um conjunto de acções para que o mesmo seja reinserido, condignamente, na sociedade. Isso envolve uma série de programas de formação tecno-profissional, escolarização, assistência psicológica, inserção laboral em artes e ofícios, assistência religiosa, desporto e cultura.
 
Com todas estas tarefas cumpridas mais facilmente se pode devolver com alguma segurança o recluso ao seio familiar e social?
Todos esses programas vão incidir sobre o recluso e naturalmente com algum sucesso poderemos ter garantia de uma melhor reintegração social e evitar que o mesmo volte a cometer, ou seja, a envolver-se, novamente, ao mundo do crime.
 
Que avaliação é feita ao recluso quando chega à prisão até se definir os planos de reabilitação?
Os reclusos são recebidos por uma equipa multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, reabilitação, especialistas de ordem interna, da área de Saúde, onde são submetidos a entrevistas para perceber se está ou não em condições de internar. Isso ajuda na compartimentação por crimes, assim como nos planos para sua reabilitação. Os condenados são-lhes submetidos um plano individual de reabilitação, em que se afere as suas habilidades, situação familiar, económica e outras valências.
 
Ocorre também com aqueles reclusos que estão em prisão preventiva?
Para aqueles que internam na condição de preventivo, depois de serem condenados, também lhes são submetidas ao plano individual de reabilitação. O recluso condenado, por exemplo, a 10 anos, é submetido a um plano prévio para seguir. Caso tenha deficiência de leitura, escrita, não possui nenhuma profissão, conseguimos colocá-lo no trabalho socialmente útil. Os que não têm nenhuma profissão, aprendem a desenvolver outras habilidades. Mas também estudam na cadeia e há troca de experiência entre os que sabem mais em relação aos que nada sabem. Esses planos é que nos facilita direcionar os programas.
 
Há diferença na aprendizagem de uma arte e oficio entre recluso em sistema de prisão preventivo e condenados?
Os reclusos condenados, como disse, têm programas pré-elaborados de formação profissional em várias áreas como Corte e Costura, Carpintaria, Electricidade entre outras em todo o país. Os que estão em sistema de prisão preventiva não beneficiam desse processo por gozarem de presunção de inocência, sendo que a qualquer altura podem ou não serem soltos.
 
Senhor director, quais as províncias equipadas com laboratórios de artes e ofícios? 
Temos seis centros de formação profissional. Quando falo de centros, estou a falar já no âmbito da cooperação com o INEFOP que tem ajudado na formação dos reclusos em várias áreas e com direito a certificado. Temos espaços adaptados para que o recluso aprenda profissões diversas. A ideia é estendermos a todos os estabelecimentos penitenciários, os centros de formação profissional. Foi inaugurado há tempos um centro de formação profissional na província do Bengo. A pretensão é produzirmos carteiras para as escolas, mobílias de residências. E também temos uma moageira para a produção de rações, por causa da nossa aposta na produção agropecuária.


Então os reclusos podem também estar ocupados na produção de ração animal?
Temos variadíssimos animais, em algumas províncias, e queremos produzir ração para os animais. E este pavilhão, felizmente, vem já contemplado com uma moagem para a produção de ração e, naturalmente, vai dando já sustentabilidade àquilo que são os nossos projectos agropecuários. Seis centros existentes, mas a perspetiva é estender às demais províncias onde não existe os pavilhões de arte ofícios.
 

Quantos reclusos foram formados no ano passado e quais as áreas?
Em 2024, formámos 1.733 reclusos, ou seja, a nossa média anual, em termos de formação, varia entre 1.700 a 1.800 reclusos, mas pretendemos aumentar o número de formandos até 2.500, anualmente, nos cursos de Serralharia, Electricidade, Agronomia, Construção Civil, Canalização, Informática, Mecânica-auto, Carpintaria, Corte e Costura, nos 43 Estabelecimentos Penitenciários existentes no país. As cargas horárias de formação normalmente variam entre 400 a 600 horas nos dois ciclos formativos.
  
O processo de ensino e aprendizagem constitui um dos desafios do Sistema Penitenciário na reabilitação dos reclusos?
Dentro do Serviço Penitenciário, existem escolas a funcionarem no âmbito de um Decreto Executivo conjunto entre o Ministério do Interior, Ministério da Educação e o Ministério da Administração do Território. Recebemos professores e material didáctico proveniente do Ministério da Educação.
 
Quantas salas de aula têm os estabelecimentos penitenciários em todo o país?
Temos 118 salas de aula, a nível do país, desde o ensino primário, em sistema de módulos até ao médio. Dependemos, metodologicamente, da Direcção Nacional para a Educação de Jovem e Adultos, que é o sector que superintende o ensino a nível da referida faixa etária.
O ano passado matriculou-se 6.008 reclusos. Deste número, 3.038 transitaram de classe, uns reprovaram e outros foram soltos e transferidos.
Os estudantes recebem certificados de habilitações do Ministério da Educação. Nos certificados não constam que foram reclusos ou estudaram na cadeia.
 
Os reclusos, depois do cumprimento das penas, são acompanhados pelos vossos técnicos?
Os reclusos são acompanhados fora da cadeia pela Direcção Nacional de Penas Alternativas e Reinserção Social, que assegura todo o processo que se desenvolveu dentro da cadeia. Ou seja, esta direcção tem como missão acompanhar os recursos que foram já libertos e ainda aqueles em liberdade condicional. Quer dizer, nós temos, nessa altura, 2.033 reclusos em liberdade condicional, para aferir aquilo que são as valências aprendida na cadeia. A Lei Penitenciária prevê um acompanhamento até 14 meses, incluindo apoio psicológico devido às eventuais situações de estigma no seio familiar, na comunidade e, até mesmo, nas instituições onde vão trabalhar.
 
Quais são os constrangimentos ao nível da reeducação e reinserção social dos reclusos?
A sobrelotação das cadeias cria-nos muitos constrangimentos na aplicação dos programas de formação da população penal. Outro constrangimento tem que ver com o excesso de reclusos que aguardam julgamento. Dos 26.642 reclusos que temos, a nível das 43 cadeia no país, 12.390 condenados e 14.339 em prisão preventiva.
 
De que forma estão em sintonia com os tribunais, alertando-os sobre casos de excesso de prisão preventiva que impactam negativamente na ressocialização dos reclusos?  
Os tribunais estão a trabalhar com vista a inverter a situação, porque temos alertado sobre estes casos. A entrada em funcionamento de novas cadeias, construídas e por se construirem, vai resolver esse problema e ajudar o Serviços Penitenciário na aplicação dos programas. Além disso, há uma comissão que nós também integramos, a nível dos tribunais, que trabalha no sentido de diminuir cada vez mais os casos de reclusos que aguardam julgamento, com aceleração dos julgamentos.
 
Quantos reclusos entram e quantos saem diariamente nas cadeias que pode impactar no processo formativo?
Diariamente, entram uma média de 75 reclusos e saem somente 55. Até há dois meses, estávamos com uma média de 24 mil reclusos e, agora, com 26 mil reclusos, fruto de mais entrada e menos saída.

Alguns cidadãos consideram que o reinternamento de reclusos envolve falhas no processo de ressocialização.
Até que ponto essa afirmação corresponde com a verdade?

O reinternamento é o recluso preventivo que já saiu e volta a entrar tempos depois com crimes diferentes em que o seu processo não tinha sido transitado em julgado.
 A esses reclusos preventivos, à luz das normas penitenciárias, ainda não é possível submetê-los a todos os programas formativos de artes e ofícios, escolarização entre outros. Ao não serem submetidos a esses programas, naturalmente, saem da cadeia somente com planos individuais de acompanhamento voltadas para assistência religiosa, psicológica, desporto, actividades culturais, recreativa, que não é tão suficiente para profissionalizar um recluso.
 
Até que ponto a família e a sociedade podem contribuir para um melhor acompanhamento dos jovens?  
As famílias desempanham um papel extremamente importante no processo de reabilitação do recluso, principalmente naquilo que é a mudança de atitude e comportamento e o acatamento das normas internas. As 54 igrejas que desenvolvem actividades de culto a nível das cadeias, tem ajudado os reclusos, na sua reabilitação.
  
Muitos reclusos deixaram mulheres e tem necessidades fisiológicas, dado o tempo que ficam na cadeia.
Que dizer sobre os pavilhões conjugais ? 
 
A Lei Penitenciária define as políticas para este sector, que prevê, de facto, os pavilhões conjugais. Os pavilhões conjugais são espaços para que os reclusos de acordo com o perfil previamente estabelecido, possam ter visitas íntimas dos seus cônjuges. Só que esta lei precisa ser regulamentada. Precisamos definir quem vai beneficiar e como, o tempo de benefício, e a pessoa que deve estar com o recluso. Precisamos de ter cautela para não transformar esses pavilhões em espaço de promiscuidade.
Esse regulamento é que vai nos definir em concreto quem pode beneficiar. Mas a visita conjugal é um direito do recluso e ajuda no seu processo de ressocialização.
Para a Lei Penitenciária, não é só um direito, é um benefício. A liberdade condicional, a licença de saída prolongada, que são saídas periódicas, o indulto, as visitas conjugais e outros são benefício dos reclusos, mas o recluso tem de ter bom comportamento.
Sem um comportamento adequado, ajustado às normas penitenciárias, o recluso não tem acesso aos benefícios prisionais.
 
Mas a preparação de pavilhões conjugais consta do programa de construção de novas cadeias?
A construção das salas conjugais já é uma preocupação das instituições penitenciárias, quando se erguer novas cadeia. Mas dizer que há passos dados para a criação da sua regulamentação.
 
Que técnicas usam para moldar aqueles reclusos de difícil correcção?
Evito dizer que haja reclusos de difícil correcção. Parto do princípio de que todo ser humano é possível mudar a sua conduta. Mas reconheço que existe estes cidadãos. Mas a deficiência na correção de um ser humano é uma questão meramente psicológica.
Quando o mesmo viola as normas constantemente há problemas psicológicos. Então, para esses casos, os nossos especialistas em assistência psicológica tomam conta da situação, mediante acompanhamento. Se for problema psiquiátrico, levamos para o hospital dessa especialidade para um acompanhamento mais personalizado.  
 
Quantos reabilitadores tem o sistema penitenciário no país?
Temos 554 reabilitadores para a cobertura das 43 cadeias do país, 210 psicólogos.
Os reclusos considerados de difícil correcção, que carecem de um problema psicológico.
Temos formas próprias de tratamento por carecer de atendimento psiquiátrico.
Os reclusos com problemas psicológicos comprovados pelos médicos psiquiatras, devem estar separados dos demais e beneficiam de consultas ambulatórias periodicamente.
Temos o hospital de São Paulo, para patologias no geral, e o Hospital Psiquiátrico, que atende problemas de fórum psicológico.

Quando um recluso morre que passos dão até ser enterrado, senhor director? 
Devemos perceber que a morte é um facto e ocorre em qualquer canto onde estivermos. Mas no interior do estabelecimento penitenciário acontece, mas raramente. Temos tido casos de mortes. Neste caso, há uma comissão que trata das exéquias, comunica-se às instâncias judiciais e a família. Também é elaborado um edital publicado na administração local onde o recluso residiu antes de ir preso.
 
Caso a família do recluso não apareça?
Se a família não aparecer, damos uma margem de 15 dias. As morgues dão três dias de permanência do corpo. A nós, interessa que a família faça o funeral do seu ente querido, por isso, procuramos negociar para que neste tempo se dilatasse até 15 dias. Caso a família não aparecer, fizemos o funeral com as referências do cemitério.
 
Que passo deve dar a família quando perceber que o seu familiar morreu?
 Houve um caso idêntico que criou confusão. Há familiares com este comportamento. Quando aparecem, se surpreendem com a ausência do seu querido, mas também fixamos um comunicado, na zona do guichê, uma lista ou para aqueles que estão transferidos, os que falecem onde damos todas as explicações.
 
Há casos de abandono de reclusos por parte dos familiares?
Muitos familiares abandonam os seus parentes na cadeia. Uma das razões tem que ver com o facto do mesmo, se calhar, estar envolvido no mundo do crime e não acatar os conselhos dos familiares.

Perfil
Manuel Cunha
Superintendente prisional

No cargo
há cinco anos
 
Formação
Sociologia

Ingressou no Serviço Penitenciário
Junho de 1999

Especialidade
Em reabilitação desde o ano 2000
 
Trajectória 
Exerceu várias funções de chefe de secção de reabilitação, chefe de secção da cultura, desporto e religião, chefe do departamento desta área e há cinco anos, foi nomeado a director nacional de Assistência e Reeducação Penitenciária.

Fonte: Jornal de Angola